1. Conhecendo a palavra e formando a identidade: vocabulários e tipos de texto
Chegamos ao final da primeira aula. Acesse os links abaixo para ver algumas Curiosiosidades , Exercícios resolvidos e as Referências utilizadas nesta aula.
Até a próxima!
Curiosidades
1. “Quando as pessoas não sabem falar ou escrever adequadamente sua língua, surgem homens decididos a falar e a escrever por elas e não para elas.” (Wendell Johnson)
2. A palavra
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
(Carlos Drummond de Andrade)
3. O significado não é o único elemento importante de uma palavra.
Seu ritmo, sua sonoridade, por si sós, são suficientes para despertar reações
nas pessoas. Tanto é que, às vezes, mesmo sem conhecermos o significado de uma palavra,
reagimos diante dela das mais variadas maneiras: gostando, não gostando, achando-a bonita,
feia, esquisita, antipática e assim por diante.
Ou seja, as palavras,
mesmo quando sem significado para nós, podem despertar emoções.
Acontece até de atribuirmos a elas significados diferentes dos que realmente possuem.
Veja como Luís Fernando Veríssimo sente algumas palavras, não se importando com o
significado, mas observando outros elementos da palavra, na crônica “Defenestração”.
Veja a crônica
DEFENESTRAÇÃO
(Luís Fernando Veríssimo Veríssimo)
Certas palavras tem o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa
vagamente vegetal.
As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades.
A falácia Amazônica. A misteriosa falácia Negra.
Hermeneutas deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos.
Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
-Os hermeneutas estão chegando!
-Lh, agora é que ninguém vai entender mais nada...
Os hemeneutas ocupariam a cidade e paralizariam todas as atividades produtivas com
seus enígmas e frases ambíguas.
Ao se retirarem deixariam a população prostrada
pela confusão. Levaria semanas até que as coisa recuperassem o seu sentido óbvio.
Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
-Alô...
- O que é que você quer dizer com isso?...
Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
Plúmbeo devia ser o barulho que o corpo faz ao cair na água. Mas nenhuma palavra me
fascinava tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas.
Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um som lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no
ouvido das mulheres:
-Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas...Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria assim defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos, pede defenestração..." Era uma
palavra cheia de implicações. Devo tê-la usado uma ou outra vez, como em:
-Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada era a palavra exata.
Um dia finalmente procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. "Defenestração" vem do francês defenestration.
Substantivo feminino, ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte.
Afinal,não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
-Les defenestrations. Devem ser proibidas.
-Sim, monsieur le ministre.
-São um escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios.
-Sim, monsieur le ministre.
-Com prédios de três, quatro andares, ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para
cima devem ter um cartaz: interdit de defenestrer. Os transgressores serão multados.. Os reincidentes serão presos.
Na bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez persista no homem, como
persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
(Luís Fernando Veríssimo. O Analista de Bagé. 6ª ed. Porto Alegre.L&PM ed. 1981. p. 29-31)
Tipos de texto: http://www.youtube.com/watch?v=kouxjxZ0gHs&feature=related
Texto narrativo: http://www.youtube.com/watch?v=iYQxUzL9rVU
Exercícios Resolvidos
1. (ENEM/09)

O efeito de humor foi um recurso utilizado pelo autor da tirinha para mostrar que o pai de Mafalda.
a) revelou desinteresse na leitura do dicionário.
b) tentava ler um dicionário, que é uma obra muito extensa.
c) causou surpresa em sua filha, ao se dedicar à leitura de um livro tão grande.
d) queria consultar o dicionário para tirar uma dúvida, e não ler o livro, como sua filha pensava.
e) demonstrou que a leitura do dicionário o desagradou bastante, fato que decepcionou muito sua filha.
Resposta comentada:
d – O efeito de humor que o texto produz baseia-se na ignorância de Mafalda sobre a utilidade dos dicionários, ou seja, ela não sabe que não se leem dicionários tal como se faz com outros livros, por isso chama a atenção de seu pai.
2. (UNICAMP) A coluna “Painel” do jornal Folha de S. Paulo publicou a seguinte nota:
LITERALMENTE
Desde a divulgação da pesquisa Data-Folha mostrando que 79% não sabem que Fernando Henrique é o novo ministro da Fazenda, seus adversários no
Congresso criaram um novo apelido para ele: “Ilustre desconhecido”. (Folha de S. Paulo, 31 maio 1993)
a) Quais os sentidos da expressão “ilustre desconhecido” quando usada habitualmente em relação a alguém, e como apelido de Fernando Henrique Cardoso?
A expressão “ilustre desconhecido”, usada habitualmente em relação a alguém designa uma pessoa sem notoriedade, tida como completamente desconhecida. Em relação a Fernando Henrique Cardoso, a mesma expressão significa que, apesar de ele ser (na época) um ministro de Estado, uma personalidade eminente (ilustre), a maioria do povo não o conhecia (desconhecido).
b) Uma dessas duas interpretações de “ilustre desconhecido” resulta num paradoxo1. Diga qual é essa interpretação e justifique.
O paradoxo existe na expressão “ilustre desconhecido” usada na segunda acepção acima comentada: ilustre contém traços de notável, famoso, afamado, célebre, todos eles opostos a desconhecido (uma pessoa famosa e desconhecida é um contra-senso).
1 Paradoxo: contra-senso, contradição.
c) O título “Literalmente” é adequado à nota? Por quê?
O título “Literalmente” é adequado à nota, pois chama a atenção para o fato de que as duas palavras estão indicando que realmente Fernando Henrique é ilustre (uma personalidade célebre), mas é desconhecido pelo povo. Essa é a tradução literal do apelido dado a FHC.
(FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitura e redação.
4ª Ed. São Paulo: Ática. p. 333)
3. (Fuvest- SP) Leia as frases.
a) Uma andorinha só não faz verão.
b) Nem tudo que reluz é ouro.
c) Quem semeia ventos colhe tempestades.
d) Quem não tem cão caça com gato.
As idéias centrais dos provérbios acima são, na ordem:
a) Solidariedade – aparência – vingança – dissimulação.
b) cooperação – aparência – punição – adaptação.
c) egoísmo – ambição – vingança – falsificação.
d) cooperação – ambição – consequência – dissimulação
e) solidão – prudência – punição – adaptação.
RESPOSTA: E (os provérbios populares revelam sentido conotativo, ou seja, um sentido abstrato que só entendemos por convenção, por tradição, é uma interpretação pessoal, afetiva, emocional, não está nos dicionários).
4. (MODELO ENEM) – Considere a tipologia dos trechos abaixo:
- (...) a verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes. (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)
- Aprovado pela Assembleia para vigorar na região metropolitana de São Paulo, o rodízio de automóveis ainda não pode ser considerado um consenso entre os paulistanos (...). (Folha de S. Paulo)
- O canivete voou
E o negro comprado na cadeia
Estatelou de costas
E bateu com a cabeça na pedra
(Oswald de Andrade) - Pálida à luz da lâmpada sombria.
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia! (Alberto de Oliveira) - Porque a Beleza, gêmea da verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade. (Olavo Bilac)
Há predominância da descrição em:
a) I e III.
b) II e V.
c) IV e V.
d) I e IV.
e) II e IV.
Resolução – Resposta: D
Os trechos I e IV são descritivos, porque caracterizam uma personagem e detalham um cenário, por meio do emprego de adjetivos, de
figuras de linguagem, de verbos de estado ou condição e de frases nominais.
Exercício 5.
Texto I
Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito simpática e graciosa. Tez macia, de uma palidez fresca de camélia; olhos escuros, um pouco
preguiçosos, bem guarnecidos e penetrantes; nariz curto, um nadinha arrebitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta que provoca
o apetite e dá vontade de morder. (Aluísio Azevedo)
Texto II
O brasileiro gosta de se imaginar cordial, camarada, emotivo. Quando está no exterior, reclama da "frieza" do americano e do europeu. A
verdade é que somos falsos bonzinhos: em meio à indiferença generalizada, direitos individuais são pisoteados todos os dias em grande escala.
E tudo termina sempre em impunidade. (Gilberto Dimenstein)
Texto III
"Levante-me", o velho insistiu. Mãe e filho, porém, continuaram imóveis. "Vão ficar aí parados?", ele perguntou. "O que estão esperando?"
A mulher pediu: "Odete, venha nos ajudar!" A empregada limpou as mãos no avental e, controlando o medo, aproximou-se. (José Castello)
Considerando as características básicas de cada modalidade discursiva, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
a) I – narração; II – dissertação; III – narração.
b) I – descrição; II – descrição; III – narração.
c) I – narração; II – descrição; III – dissertação.
d) I – descrição; II – dissertação; III – narração.
e) I – narração; II – dissertação; III – descrição.
Resolução – Resposta: D
O texto I é descritivo, porque pormenoriza os traços fisionômicos de uma personagem. O texto II é dissertativo, porque o autor manifesta
uma opinião sobre o comportamento do brasileiro. O texto III apresenta personagens, verbos de ação, diálogo, estrutura que define a narração.
Exercício 3.
Abaixo você encontra a análise da sequência tipológica que se pode encontrar em uma carta pessoal:
Sequências tipológicas | Gênero textual: carta pessoal |
Descritiva | Rio, 11/08/1991 |
Injuntiva | Amiga A.P. Oi! |
Descritiva | Para ser mais preciso estou no meu quarto, escrevendo na escrivaninha, com um Micro System ligado na minha frente (bem alto, por sinal). |
Expositiva | Está ligado na Manchete FM - ou rádio dos funks - eu adoro funk, principalmente com passos marcados. Aqui no Rio é o ritmo do momento ... e você, gosta? Gosto também de house e dance music, sou fascinado por discotecas! Sempre vou à K.I, |
Narrativa | ontem mesmo (sexta-feira) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada. |
Expositiva | Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal. Aqui no condomínio onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos juntos. É muito maneiro! |
Narrativa | C. foi três vezes à K. 1., |
Injuntiva | pergunte só a ele como é! |
Expositiva | Está tocando agora o "Melô da Mina Sensu¬al", super demais! Aqui ouço também a Transamérica e RPC}M. |
Injuntiva | E você, quais rádios curte? |
Expositiva | Demorei um tem pão pra responder, espero sinceramente que você não esteja chateada co¬migo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do Recife, principalmente a galera da ET, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é via¬jar, ficar um tempo por aí, conhecer legal vocês todos, sairmos juntos ... Só que não sei ao certo se vou realmente no início de 1992. Mas pode ser que dê, quem sabe! /........../ Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocês! |
Narrativa | Agora, a minha rotina: às segundas, quartas e sextas-feiras trabalho de 8:00 às 17:00h, em Botafogo . De lá vou para o T., minha aula vai de 18;30 às 10:40h. Chego aqui em casa quinze para meia¬noite. E às terças e quintas fico 050 em F. só de 8:00 às 12:30h. Vou para o T.; às 13:30 começa o meu curso de Francês (vou me formar ano que vem) e vai até IS:30h. 16:00h vou dar aula e fico até 17:30h. 17:40h às 18:30h faço natação (no T. também) e até 22:40h tenho aula. (...) Ontem eu e Simone fizemos três meses de namoro; |
Injuntiva | você sabia que eu estava namorando? |
Expositiva | Ela mora aqui mesmo no «ilegível)) (nome do condomínio). A gente se gosta muito, às vezes eu acho que nunca vamos terminar, depois eu acho que o namoro não vai durar muito, entende? |
Argumentativa | O problema é que ela é muito ciumenta, principalmente porque eu já fui afim da B., que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva. |
Narrativa | É acho que vou terminando |
Injuntiva | escreva! Faz um favor? Diga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever Adoro vocês! Um beijão! |
Narrativa | Do amigo P. P. 15:16h |
Referências
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 26.ed. Rio de Janeiro, FGV, 2007.
VANOYE, Francis. Usos da linguagem. 13.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, 327 p.
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=espelho. Acesso em 4 de fevereiro de 2011.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3.ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.